A história da nutrição de plantas no Brasil é muito recente e, efetivamente, só pode ser considerada significativa após a Segunda Guerra Mundial, com a chegada dos caminhões e começo da implantação da infraestrutura rodoviária. De 1800 a 1880, os fertilizantes de conhecimento e uso universal eram os Guanos do Peru (gigantescas dunas de depósitos milenares de matéria orgânica com esqueletos de aves decompostos em ilhas do pacífico peruano) e o Salitre do Chile (Nitrato de sódio) da mineração a céu aberto, controlada pelos ingleses.
Ainda nos dias atuais a síntese de Haber-Bosch (1939), que começou na Alemanha em escala industrial em 1941 com fins militares, mas constitui o coração das unidades de produção de amônia em todo mundo até hoje. O nitrato de amônio é um dos derivados dessa industrialização e, originalmente, só era destinado a fins militares. Assim, está evidente que antes do fim da Segunda Guerra Mundial a agricultura não conhecia o uso extensivo de fertilizantes nitrogenados minerais, contudo, foi o uso desse insumo que, literalmente, liquidou as profecias de Malthus no século XIX.
De 1880 a 1910 aconteceu a industrialização de patente de von Liebig, de 1840, que deu origem aos superfosfatos a partir da acidulação de ossos descartados com ácido sulfúrico. Com o Decreto Real da Rainha Vitória proibindo o uso de ossos começou a substituição por fosfatos minerais, cuja qualidade como matéria prima continua sendo avaliada pelo índice BPL (Bone Phosphate Liquid).
O BPL ainda é termo de uso comum na indústria do ácido fosfórico para expressar o teor efetivo de fósforo da rocha que pode ser recuperado para fins de produção do ácido fosfórico. No século XX surgiram os fosfatos amoniados (DAP, MAP, FAPs, etc), mas o uso de fertilizantes básicos (NPK) e da calagem (CaMg) de forma técnica e em maior escala começou no Brasil nos anos 60 e 70. As aplicações de gesso agrícola, por exemplo, começaram receber respaldo técnico relevante no século XXI, mas ainda é um tema passível de discussão técnica quanto aos objetivos e resultados efetivos de seu uso extensivo.
Até 1900 a produtividade brasileira de grãos era de apenas 1 T/ha, sem corretivos e sem adubos no conceito como são conhecidos hoje. Em 1950 atingia 3 T/ha, mas já com um pouco de corretivos e fertilizantes básicos. Em 1990 a produtividade de grãos atingiu as 10 T/ha e, de lá para cá, continua crescendo de forma surpreendente. A evolução do consumo mundial de nutrientes básicos explica grande parte dessa evolução: 1 milhão de T de NPK em 1900, 17 mi. de T em 1950 e 130 mi. T em 1980 e mais 400 mi. em 2015.
Desde os anos de 60 as pesquisas pioneiras da brasileira naturalizada Engª Agrª Johanna Döbereiner, no Instituto de Seropédica da Escola Nacional de Agronomia (ENA) e depois na própria EMBRAPA, levaram-na ao desenvolvimento dos primeiros cultivares brasileiros de soja que dispensam completamente o uso de nitrogenados minerais. Em seus estudos e pesquisas de microbiologia identificou pelo menos oito gêneros de bactérias diazotróficas que se associam em simbiose com a cana de açúcar e muitas espécies de gramíneas. Daí em diante começou o questionamento sobre a efetiva necessidade de adubação nitrogenada mineral em vários tipos de cultivos tropicais, especialmente na cana de açúcar. Resultados de 135 ensaios brasileiros para avaliação do uso de fertilizantes nitrogenados minerais em cana de açúcar, no século XX, provaram que em apenas 26 (19%) é que ocorreram respostas significativas do rendimento agrícola pelo uso do N-mineral.
Contudo, em 109 (81%) não houve vantagem no uso desse fertilizante nitrogenado mineral. Recentemente, na tese do Engº Agrº Emídio Cantídio, publicada pela ESALQ em abril de 2011, acentua-se a confirmação de que em três tipos de solos do Estado de S. Paulo, os mais usados no cultivo da cana de açúcar, não houve resposta significativa da soca às adubações nitrogenadas, desde 40 até 120 Kg N/ha. Na cana planta apenas no LVe houve uma pequena resposta à adubação de até 40 kg N/ha no plantio.
Para entendermos esse conflito é prudente lembrarmos de que o paradigma atual, da aplicação de fertilizantes nitrogenados minerais, deriva da ciência agronômica de países temperados onde a temperatura média do solo é de 10 a 20°C menor do que nos tropicais.
Ora, é sabido que o ótimo para a atividade das bactérias diazotróficas está entre 32 e 42°C, comum no ambiente tropical e, também por isso, é que a simbiose é bem mais frequente nas regiões tropicais que nas temperadas. Contudo, o advento dos fertilizantes nitrogenados minerais, desde fim dos anos 40, praticamente instituiu um novo paradigma da adubação nitrogenada na ciência agronômica.
Portanto, são compreensíveis as resistências emocionais da nossa geração, a geração NPK do século XX, à eliminação da adubação nitrogenada mineral na cana de açúcar e em outros cultivos simbiontes. É compreensível, também, a resistência comum dos executivos que lidam com a responsabilidade das decisões financeiras sobre a nutrição nitrogenada mineral da cana de açúcar. Entretanto, a meu juízo, essa quebra de paradigma já aconteceu e prosseguirá à medida que a evidência dos fatos de campo e dos ensaios demonstrarem que tal recomendação tradicional está em xeque.
Filosoficamente, a meu ver, é inconcebível que cultivo simbionte como da cana de açúcar, agronomicamente muito mais eficiente do que das leguminosas, continue recebendo adubações nitrogenadas minerais. No enfoque da sustentabilidade, o processamento biológico natural do nitrogênio mineral no solo gera contribuição muito grande na emissão de gás carbono para atmosfera, porque para cada 1 kg de N da ureia aplicado ao solo, por exemplo, são gerados 8 kg de gás carbono para atmosfera. Além disso, nesse processamento natural do N-mineral ocorre, também, a geração média de 1% de óxido nitroso (N2O) para atmosfera, gás ambientalmente mais pernicioso do que o gás carbono, uma vez que o efeito prejudicial de apenas 1kg N2O equivale ao de 300 kg de gás carbono.
No canavicultura estima-se que 40% da emissão de gás carbono para atmosfera procede dos fertilizantes nitrogenados minerais que são aplicados. Assim, a busca por soluções tecnológicas para eliminação do uso de fertilizantes nitrogenados minerais em canavicultura tornou-se meta ambiciosa desse autor nesses últimos dez anos. Trabalhos e ensaios focados na busca de inovações para estímulo da FBN das bactérias diazotróficas levaram-me à idealização do BVBOOSTER®.
Fatos derivados de ensaios em lavouras comerciais de cana-de-açúcar nos últimos nove anos comprovaram que a meta de eliminação da prática de uso de fertilizantes nitrogenados minerais ema soca da cana de açúcar é exequível, conveniente, econômica e muito rentável, além da geração de ganhos importantes na produtividade de açúcar. Agora, a natureza das questões são outras: Quais serão os melhores estimulantes da atividade de FBN dessas maravilhosas bactérias, tanto das endofíticas como as auto e heterotróficas de vida livre no solo? Como poderemos aumentar as produtividades agrícolas e melhorar a rentabilidade da produção? Como aumentaremos a sustentabilidade da produção agrícola tropical?
BVBOOSTER® é um fertilizante fluido pioneiro, aditivado com BIO-AMAC®, que estimula fortemente a FBN e é muito eficaz na canavicultura. A pulverização de apenas 11 L/ha provou e comprovou, em milhares de hectares de lavouras comerciais, que elimina sustentável e economicamente o uso habitual de N-mineral em soca e, além disso, aumenta a produtividade açúcar e a longevidade à lavoura.
Nutrientes básicos: Ca++, Mg++, K+
A demanda de potássio pela cana-de-açúcar embora seja a maior é razoavelmente semelhante à do cálcio a prática agrícola foca apenas a reposição K ao solo que é executada anualmente, enquanto a reposição do cálcio e magnésio tem sido razoavelmente negligenciada e só exequível pelo calcário incorporado.
Assim, progressivamente, a cada corte sucessivo da soca a relação (Ca + Mg)/K) vai sendo fortemente alterada a favor do potássio o que, por sua vez, diminui rapidamente o valor dessa relação e, portanto, deprime ainda mais a disponibilidade de cálcio e magnésio à planta. Tudo isso junto contribui para a diminuição progressiva da produtividade da soqueira ano a ano.
Incompreensivelmente, a meu juízo, a reposição significativa de cálcio e magnésio só tem sido praticada na substituição da soqueira. Entendo que a classificação acadêmica do cálcio, magnésio e enxofre como nutrientes secundários trouxe ao mercado e ao ensino acadêmico a conotação de que são menos importantes que o NPK, um equívoco de consequências desastrosas para a produtividade e longevidade dos canaviais. Afinal, conscientemente, “ninguém tem dinheiro para o secundário”.
É bastante óbvio que a simples reposição habitual do Cálcio e Magnésio por fertilizantes solúveis, como praticada para outros macronutrientes, tem bom potencial para promoção de aumentos progressivos de produtividade. Um de meus ensaios nos anos 90, sobre o uso de cales hidratadas em cobertura na área total, pós-colheita, teve seus resultados corroborados nos ensaios em parceria de pesquisa com a UFSCar. Em cana-planta que havia recebido calagem habitual de 3,5 T de calcário dolomítico “filler” por ha, a aplicação de 500 Kg de cal hidratada calcítica/ha em área total de faixas transversais gerou ganhos progressivos até à dose de 500kg/ha atingindo de mais 6 a 8 TCH.
Esses fatos demonstraram que o calcário não fornece à lavoura a quantidade de cálcio prontamente disponível que se supõe. A meu juízo, a adoção da prática de aplicação de cal pós-colheita, em área total e sobre a palhada, tem potencial para diminuição do custo final da cana na esteira e ampliação da longevidade dos canaviais. Como essa reposição, segundo a pesquisa, deve ser feita na base de 1,2 a 1,5Kg de Ca++/TCH a aplicação de cal hidratada calcítica deve ser calculada na base de 2,5 a 3 Kg de cal/TCH colhida.
Isso está em sintonia com os mais de 26 anos de ensaios exaustivos com fertilizantes solúveis de cálcio (cales virgens e hidratadas) e de magnésio (cloreto e sulfato de magnésio) em cafeeiros, por 4 anos, e por 18 anos em lavouras próprias de soja, milho, trigo, colza, café e maçã cultivados nos cerrados mineiros. Àquela época, anos 80 e 90, conclui que a cal virgem, embora seja o fertilizante de cálcio mais concentrado e muito reativo, tem potencial muito grande para geração de passivos trabalhistas. As cales hidratadas, por sua vez, além excelentes fertilizantes solúveis de cálcio, tem muito menor potencial para geração de passivos trabalhistas.
Contudo, as aplicações localizadas, por facões que eram normalmente acoplados a subsoladores, não geraram respostas importantes, provavelmente devido à rápida recarbonatação natural que acontece no entorno da “faixa localizada”, proteção química que retarda muito a reatividade natural do corretivo e diminui expressivamente a dispersão natural do cálcio no solo.
Como a mobilidade de cátions e ânions nos solos é fenômeno muito mais eletrostático do que químico, entendi e optei pela aplicação desse fertilizante solúvel de cálcio em área total, na superfície do solo, porque as águas naturais promovem rapidamente a efetiva incorporação do cálcio solúvel no solo. Além disso, há provas práticas e robustas de que a alcalinidade forte que acontece momentaneamente nas águas superficiais, devido à boa solubilidade das cales (0,18%) e imediata reatividade com a umidade, promove efeitos fitossanitários importantes sobre fases larvais de muitas pragas do solo e de palhadas, reduzindo surpreendentemente a população de insetos daninhos no solo.
Afinal, China e Índia, por mais de 5.000 anos, já borrifavam suas plantas hortícolas com caldas feitas com “cinzas da queima de pedra calcária”, observaram que pulgões não acessavam plantas borrifadas com essa suspensão, assim as moscas domésticas não permanecem em superfícies tratadas com resíduos mínimos dessas caldas, porque há reação da probóscida da mosca com a alcalinidade que a expulsa do local. A solubilidade técnica da cal hidratada, Ca(OH)2 é de 1,85g/L; enquanto a de CaCO3 é de 14 mg/L.
Magnésio
As observações sobre fontes desse nutriente precisam ater-se às solubilidades porque são inexpressivas para o carbonato (MgCO3 é de 0,1 mg/L), óxido (MgO é de 86 mg/L) e hidróxido de magnésio (Mg(OH)2 é de 9 mg/L). Além disso, é prudente reconhecer que a reatividade natural desses compostos é baixa, mesmo com ácidos fortes. São fatos como esses que nos dão a pista sobre a efetiva morosidade da liberação natural do Mg++ no solo a partir da aplicação desses materiais. Afinal, essa reatividade é ainda muito menor com os ácidos orgânicos próprios da matéria orgânica viva, que são ácidos fracos e muito fracos. Para evitarmos polêmicas desnecessárias sobre as teses do “eu acho que”, a prudência recomenda a comparação criteriosa das calagens magnesianas com fontes solúveis alternativas, para avaliação técnica adequada dos efeitos relativos da sua pretendida aplicação na produção agrícola. O sulfato de magnésio contribui para liberação imediata de Mg++ e SO4” no solo pq o sal tem alta solubilidade (MgSO4 é de 260 g/L) e o cloreto tem solubilidade ainda maior (MgCl2 é de 550g/L).
Enxofre
A meu juízo, a maneira mais prática assegurarmos bom suprimento de enxofre prontamente disponível é pela administração do Mg++ pelo sulfato de magnésio. Esse fertilizante, além de muito solúvel, tem teor de enxofre 1/3 maior do que seu teor de magnésio e seu uso técnico racional elimina preocupações com o suprimento de enxofre aos cultivos. Outra alternativa importante é pela aplicação direta, a lanço, de enxofre elementar micronizado, porque muitas espécies de bactérias e algas no solo metabolizam rapidamente esse enxofre para compostos organossulfatados, como pelas do gênero Thielaviopsis..
Fósforo: é o nutriente cujo manejo representa o maior desafio ao saber agronômico, especialmente em solos tropicais. Vamos a algumas considerações técnicas comuns:
A eficiência dos fosfatos naturais e sua solubilidade em determinados extratores é muito questionada, mas fosfatos naturais podem apresentar alguma eficiência agronômica segundo sua origem e condição química. Uns são de origem magmática, onde a apatita já está cristalizada, dura e muito resistente a ataques químicos, mesmo com ácidos fortes, donde deriva sua reatividade química extremamente menor.
Outros, de origem sedimentar e ou metamórfica, que na respectiva morfogênese sofreram vários tipos e graus de intemperismo, podem ficar mais solúveis, que o mercado tem nos apresentado como “reativos”. A substituição isomórfica é o fenômeno de morfogênese natural em que alguns dos radicais PO4’’’ da micela de apatita são substituídos por radicais F’, CO3”, OH’, etc constituindo as fluorapatitas, carbonatoapatitas, hidroxiapatitas, etc.
Assim, quanto maior o grau de carbonatação intramicelar, por exemplo, maior será a entalpia e a reatividade química do minério, uma vez que o mineral de fósforo continua o mesmo, fosfato tricálcico da apatita. A carbonatação intramicelar promove sua desestabilização química porque agrega mais energia à própria micela, isto é, à estrutura do cristal. Essa substituição intramicelar, por sua vez, implica na exigência menor de energia externa para efetivar o “rompimento da estrutura cristalina da apatita”.
Com tal rompimento da micela de apatita é que ocorre a liberação do radical fosfórico e do íon cálcio. Na indústria do ácido fosfórico, por exemplo, a fonte externa de energia mais usada para “quebrar essas micelas” do fosfato natural é o ácido sulfúrico a 70%. Com a quebra do cristal são liberados os íons na suspensão reativa e o cálcio, pela maior afinidade química com radicais sulfato, forma gesso dihidratado.
Os fosfatos orgânicos, mais conhecidos como fosforitas, normalmente tem estrutura química amorfa e as jazidas conhecidas estão associadas, em sua maioria, aos imensos depósitos milenares de dejetos de animais. Nessas jazidas o fosfato não é derivado direto da apatita mineral, mas da decomposição dos esqueletos durante a gênese da jazida e, por isso, apresentam reatividade química maior com os extratores de ácidos orgânicos usados em análises químicas de qualidade. O índice original para avaliação da qualidade das matérias primas fosfatadas, nas primeiras fábricas de superfosfatos do séc. XIX, era o BPL (Bone Phosphate Liquid).
A normatização da qualidade dos fosfatos magmáticos, sedimentares e orgânicos, aconteceu no século XX por extratores ácidos orgânicos. Assim, para ser considerado reativo o fosfato natural precisa ter mais de 55% de seu fósforo total solúvel em ácido cítrico a 2% na proporção 1:100.
Nos testes, com extratores de ácido cítrico e/ou ácido fórmico, ambos na baixa concentração de 2%, a relação amostra x extrator é de 1:100. Tudo isso é fundamental porque a reatividade da rocha fosfática (facilidade do rompimento do cristal de apatita) depende da quantidade de energia que a micela encerra naturalmente, assim como da quantidade de energia externa exigida do sistema para promoção do rompimento do cristal e, consequente, da liberação do cálcio e radicais fosfatos.
A maior entalpia dos ácidos fortes tem feito deles a fonte primária de energia mais usada no ataque das apatitas. Uma vez liberado, o cálcio reage instantaneamente com o radical mineral disponível (SO4= no caso do ácido sulfúrico), constituindo o cristal insolúvel de gesso dihidratado. Cristal que tanto poderá permanecer no sistema, como no superfosfato simples em que quase 50% é gesso, como poderá ser removido por lavação e filtração, como na produção do ácido fosfórico. Os estudos da reatividade dos fosfatos naturais demonstram que quanto maior o grau de substituição isomórfica por carbonato (entrada de CO3= na micela) menor é a quantidade de energia externa requerida para rompimento do cristal da apatita.
Nas minas de fosfato existem outros tipos de substituição de menor importância, mas o que decide seu aproveitamento é o quantum de energia que tais substituições acrescentam à micela para favorecer seu rompimento químico. O suprimento de fósforo às plantas é um tema antigo e cheio de “crenças”, derivadas em sua maioria de sofismas com a química da nutrição de plantas.
O estudo dessa nutrição evoluiu radicalmente nas últimas décadas, mas persistem os obstáculos às alternativas para manejo diferente do fósforo, via solo ou foliar. Ainda predomina o ambiente do “eu acho” que é suportado por sofismas e paradigmas superados. Quando um cientista estuda e propõe sua tese ele sempre parte de premissas verdadeiras e, a seu julgamento, propõe conclusões lógicas como as verdades mais prováveis. Contudo, é o conhecimento novo e o tempo da respectiva “sedimentação tecnológica” que confirmarão ou contestarão tais conclusões propostas.
Dessa forma é que a ciência e a humanidade evoluem e nesse momento, por exemplo, vivencia-se no estudo do fósforo um processo lógico que tem servido de suporte tanto aos sofismas quanto aos silogismos. As principais premissas desses raciocínios são:
1. O fósforo só entra na planta se estiver disponível na água que ela absorve, seja pela raiz ou pela epiderme da parte aérea;
2. A forma química prontamente disponível do fósforo em água é o ânion monovalente H2PO4’;
3. Quimicamente esse ânion é o tipo de especiação que predomina na solução quando a faixa de pH está entre 2,5 e 6,5 e é máxima ao pH 4 a 5,5, mas nessa faixa de acidez esse ânion é muito reativo com cátions metálicos em soluções muito diluídas, como a da solução do solo. Assim, no ambiente químico do solo a tendência química mais evidente é pela formação de sais estáveis (fosfatos metálicos) de solubilidade muito baixa (Al> Fe> Mn> Mg> Zn> Ca> Cu> Co, etc);
4. A formação desses sais estáveis na solução do solo é, na verdade, o principal agente da fixação irreversível do fósforo e o maior responsável pela baixa mobilidade do ânion nos solos tropicais, que é de 1 a 1,5 cm/ano;
5. A eficiência do fósforo como nutriente de planta via solo é muito baixa, da ordem de 5 a 10%, e diminui rapidamente com a diminuição do pH, além de ser sempre menor em solos mais argilosos;
6. A eficiência do fósforo via folha varia de 40 a 80% na dependência do pH da solução nutritiva e do adjuvante estimulador da absorção ativa;
7. Depois que entra na planta a mobilidade do fósforo é uma das maiores que se conhece e, talvez, o único nutriente que consegue ir do floema diretamente ao xilema em poucas horas e vice versa;
8. A competição química dos cátions metálicos pelo ânion dihidrogenofosfórico é maior na solução do solo do que na solução do xilema ou da cutícula, porque as propriedades ambivalentes da cutina equilibram e melhoram as trocas catiônicas e aniônicas na epiderme.
São essas premissas levam à conclusão de que a uso do fósforo no solo ou na folha é uma simples questão econômica que, fundamentalmente, envolve a avaliação do retorno do investimento e o pay back pretendido. Respostas rápidas com pay back menor do investimento implicam na rota foliar. Via solo o investimento será sempre menor do que via folha, mas o pay back será maior.
Assim, avaliando apenas as opções via solo:
- Para pay back menor as opções serão os fosfatos acidificados (TSP, MAP, DAP, SSP) e a opção por cada espécie desses fertilizantes implicará no custo efetivo da unidade de P solúvel em água já aplicada ao solo, porque a diferença de desempenho agronômico do P entre elas é incipiente para priorizá-las quanto à qualidade.
- Os fosfatos naturais reativos sempre terão pay back maior que os fosfatos acidificados e investimento menor. Além disso, apenas entre os fosfatos naturais, quanto maior a substituição isomórfica por carbonato menor será o pay back e maior o investimento. No passado, anos 60, esses fosfatos reativos receberam marca registrada de hiperfosfatos e provinham de jazidas orgânicas, como das Fosforitas de Gafsa e Marrocos. Curiosamente, a essência da roupagem do marketing naquela época não era diferente da que é usada atualmente para os autodenominados fosfatos reativos, mas que, na verdade, não são mais as fosforitas.
Até a experimentação científica e as demonstrações práticas mais recentes do desempenho dos fosfatos reativos se assemelham às realizadas para os hiperfosfatos dos anos 60 e 70, com conclusões quase idênticas às usadas atualmente para “defender o uso” dos fosfatos sedimentares. Mas do ponto de vista da planta, o que interessa mesmo é o “quantum” de fósforo estará na solução que absorve, independentemente de ser via solo ou foliar. Enquanto o fósforo não estiver biodisponível, isto é, no simplasto, é irrelevante para a planta sua procedência. Esse nutriente é o maior responsável pela conservação, troca e disponibilização da energia ao metabolismo celular. Qualquer limitação à biodisponibilidade de fósforo tem consequências no metabolismo da planta como um todo, porém sua expressão econômica na safra dependerá do grau da limitação, duração, tipo e época.
O fósforo é o nutriente mais caro para nutrição de plantas, porque sua eficiência relativa é uma das menores. De cada R$100 reais em fósforo aplicado via solo apenas de R$5 serão efetivamente usados pela planta, embora para o mais otimistas essa utilidade chegue aos R$10, o que continua sendo muito pouco. Nos poucos trabalhos de fisiologia sobre a aplicação de fósforo pela via foliar o valor da eficiência relativa foi estimado entre 60 e 90%, o que indica grande potencial para ser explorado pela tecnologia da nutrição foliar.
Diante do fato de que a necessidade de fósforo é a menor entre macronutrientes, em média 10% da quantidade do N ou do K, mas dez vezes maior do que o conjunto de micronutrientes, como de ferro, cloro ou manganês. Na planta as principais funções e atividades do fósforo acontecem através das enzimas da energia: AMP, ADP, ATP, NAP, NADPH e outras, como a SPS (sacarose-fosfato-sintase). Assim, em atividade química, o fósforo mais se assemelha do que difere das atividades dos micronutrientes.
A atuação fisiológica predominante do fósforo é sob a forma de íon monofosfato (H2PO4̅), sem que haja transformação química para outros estágios de oxidação do P. Do ponto de vista prático, é evidente que, hipoteticamente, se desenvolvermos uma ferramenta tecnológica mais econômica e mais eficaz, como pela via foliar, a inferência fundada nos poucos dados científicos sobre essa correspondência é de que a relação será entre 12 a 15 x 1 quando comparada com via solo.
Tal formulação, por sua vez, precisará ter radicais ou ramificações orgânicas que atuem como aditivos de desempenho facilitadores da absorção ativa do íon pela epiderme, com que aumentaria sua eficácia nutricional. Em termos de pH da solução nutritiva para nutrição foliar com fósforo prevalecem discordâncias por falta de experimentação comparativa. Uns defendem ambiente ácido de pH 2,5 a 4 para essa solução e outros, como esse autor, pH ligeiramente ácido entre 5,0 e 6,5, porque essa é a faixa de maior eficiência das enzimas da energia. Em termos da janela fisiológica para a cana-de-açúcar, por exemplo, o gráfico sigmoide da absorção acumulada do fósforo indica um primeiro período mais provável que vai dos 80 a 100 dias da germinação, correspondente à fase do fim da fase de perfilhamento.
Nessa fase o foco é a quantidade de energia metabólica envolvida como suporte quantitativo à intensa multiplicação celular nessa fase de desenvolvimento da planta, garantia da sobrevivência de mais perfilhos e, também, garantia do melhor alongamento dos internódios do colmo na fase seguinte. A segunda janela fisiológica corresponde ao do fim do alongamento do colmo, 120 a 100 dias antes da colheita, focando tanto o alongamento dos últimos internódios, que normalmente ficam mais curtos por falta de P, como aumento da eficiência da enzima SPS, a maior responsável pelo acúmulo de açúcar e brix final do caldo, portanto, do ATRh.
Pesquisa na Índia e duas desse autor, em canaviais de 4º e 6º corte da região de Uberaba, mostraram coerência nas inferências sobre janelas fisiológicas da acumulação de fósforo pela cana. A dose testada nessas pesquisas foram como as de Pawar na ìndia, de 5 a 12 kg de P2O5/ha em uma e duas épocas de aplicação. Trabalhos recentes de autores de outros países, demonstraram que formulações alcalinas e fluidas de PK no solo, como as 00-40-80, 00-30-30, 00-30-24 (%p/v), aumentaram significativamente a mobilidade do P no solo e a eficácia do potássio, antevendo a possibilidade do uso de doses bem menores de fósforo via solo para obtenção dos mesmos resultados.
A dinâmica do P e seus efeitos nas safras continuarão temas apaixonantes no ambiente da nutrição de plantas. Aprenderemos mais e mais rápido à medida que removermos as “crenças” que tem obstado a discussão objetiva de outras vias e técnicas, como a nutrição foliar por exemplo. Por sinal, é bom não confundirmos nutrição foliar e adubação foliar, mas isso será assunto para outro debate.
Crença, sem dúvidas, é comportamento humano natural e compreensível. É pela opção de crer que o indivíduo aceita e defende como verdadeiro as descrições e deduções lógicas que lhe foram “bem vendidas”, mesmo que irracionais. Entretanto, não é raro nos esquecermos de que a lógica dos silogismos é a mesma que nos leva aos “sofismas técnicos”. Durante milênios acreditávamos na “verdade científica” de que a terra era plana e centro do universo. Galileo Galilei ao externar sua discordância científica e defender Copérnico “pegou trinta anos de cana” por contestar o dogma da “infalibilidade papal”. Espero não sofrer o mesmo por defender avaliação mais justa da nutrição foliar com fósforo e aplicação de fósforo alcalino via solo.