Já faz bom tempo que busco alternativa para eliminar o manejo do N-mineral na soca da cana-de-açúcar. Entendi que a chave está no suprimento equilibrado e eficaz de nutrientes para as bactérias diazotróficas endofíticas através da própria hospedeira. Além disso, a técnica a ser desenvolvida deveria ser via nutrição foliar, porque essa rota de suprimento natural da planta com micronutrientes e fosforo é muito mais eficiente e eficaz do que pelo solo.
Afinal, a absorção foliar é a verdadeira boca das plantas e que continuam residentes em sua maioria nos mares, rios lagos, lagoas, córregos e pequenos cursos d’água. Poucos sabem que o reino vegetal, no último bilhão de anos em que existe, continua onde sempre esteve: nas águas e correspondem a mais de 95% da massa vegetal do globo terrestre. Na adaptação ao ambiente terrestre as raízes passaram a desempenhar um papel bem mais relevante do que apenas fixar a planta no substrato (como acontece nas aquáticas), que é a absorção de água com que lhe traz todos os nutrientes que estiverem solúveis nela. Por sinal, se o nutriente não estiver solúvel na solução do solo, ou na solução hidropônica, por exemplo, ele não existe para a planta.
A bem da verdade, as plantas nunca perderam sua capacidade inata de absorção foliar e bem mais eficaz do que pelas raízes. Para os ainda céticos, há uma plêiade de trabalhos a esse respeito. O conhecimento mais profundo das bactérias diazotróficas, especialmente das residentes nas células parenquimatosas da cana, começou a ser desvendada no fim dos anos 70, pela brasileira e pioneira Engª Agrª Johanna Liesbeth Kubelka Döbereiner. No entanto, ainda sobrevivem dúvidas acadêmicas quanto ao potencial efetivo de tais bactérias. Assim, partindo das premissas acima, desenvolvi propostas de caldas nutritivas prontas que, do meu ponto de vista, harmonizavam-se melhor com a dinâmica enzimática da fixação biológica do nitrogênio (FBN) e com o processo enzimático da organificação da amônia produzida por tais bactérias.
Outro obstáculo que se impôs foi o de vencer a rigorosa seletividade da membrana citoplasmática, a plasmalema, que consegue discernir o sódio, deixando-o do lado de fora, do potássio que é prontamente absorvido. Entretanto, esses íons são quimicamente muito semelhantes. Para vencer esse desafio desenvolvi o que denomino por CICLOHEPTOSE, um aditivo de desempenho. É um conjunto de ingredientes naturais que misturados adequadamente consegue reduzir essa seletividade e favorecer a absorção ativa da célula da epiderme. Bem, e daí?
O passo seguinte foi a bateria de testes em condições de campo, porque em pequena escala tais aditivos estavam funcionando bem. Nas últimas quatro safras os resultados e as evidências fenológicas em campo, em dezenas de ambientes de produção e com as variedades mais cultivadas, falam mais do que mil palavras. E agora, como explicar tais resultados?
A meu juízo, a quantidade de nutrientes absorvidos no estágio em que é aplicado na planta (soca, no caso), quando a vegetação da rebrota está fechando nas linhas, é muito grande em relação à massa verde presente. Isso provoca, como esperado, um desequilíbrio intencional entre as proporções químicas originais nas células da epiderme daquele estágio de desenvolvimento da planta. Por isso que a planta, a meu juízo e como todos os seres vivos, reage prontamente à alteração existente e o faz, obviamente, pelo metabolismo predominante nessa fase do desenvolvimento vegetal, que é o da biossíntese das proteínas necessárias à intensa multiplicação celular em andamento.
Enzimas nada mais são do que proteínas especiais que contêm micronutrientes em seu grupo prostético ou que precisam deles para que a catálise seja completada. Portanto, a meu ver, é natural e compreensível que esse tipo de desequilíbrio intencional aumente a biossíntese de enzimas e, portanto, torna a simbiose mais eficiente e produtiva. Esse fato, por sua vez, aumentará a demanda de nitrogênio metabolizável pela planta, porque ele constitui 16% da massa das proteínas. Felizmente, quase todos os principais nutrientes envolvidos na ação da nitrogenase das bactérias são os mesmos exigidos na organificação natural da amônia pelas células vegetais. Há algumas diferenças significativas: no metabolismo de produção da amônia pelas bactérias predomina as ferro-molibdo-enzimas, enquanto que na organificação da amônia pela planta predomina as magnésio-molibdo-enzimas.
Curiosamente, apenas as bactérias é que precisam de cobalto para síntese da cianocobalamina (vitamina B-12), um cofator crítico para a FBN como um todo. Outra peculiaridade é a leghemoglobina dessas bactérias, que lhes permite retirar o oxigênio de que precisam de ambientes com menos de 1%, como acontece no citoplasma. Tudo isso pode parecer apenas muita “teoria”, mas como isso acontece no campo prático?
Para viabilizar tais comprovações em maior escala registramos a marca BVBOOSTER e encaminhamos o respectivo pedido de patente do produto, embora saibamos que nada acontecerá de produtivo pelo INPI nos próximos dez anos… isso é nosso país!
Em termos comerciais, o montante do dispêndio com o BVBOOSTER (dose de 11 L/ha) é até um pouco menor do que com a dose habitual de nitrogênio mineral que é aplicada na soca da cana de açúcar (100 a 120 KgN/ha), o que significará uma economia imediata de 8 a 12% no investimento. Entretanto o que surpreende e muda o jogo são os resultados, cujos fatos e fotos falam por si. São diferenças robustas no vigor das plantas durante o desenvolvimento, na produtividade em TCH e no teor de sacarose do caldo. O ganho relativo em ATRh tem sido de 1 a 5 pontos percentuais maior do que em TCH, que tem sido de 8 a 18 TCH. Por isso que, sem dúvidas, entendo que essa é uma boa solução para a eliminação econômica do manejo com N-mineral na SOCA da cana de açúcar, está pronta, testada e o é altamente rentável. Pode duplicar a renda líquida do produtor da cana de açúcar.
Agora vem a fase mais difícil que é a tal quebra de paradigmas. Como reagirão os profissionais e executivos que lidam com a responsabilidade da decisão sobre o investimento no uso do nitrogênio mineral na canavicultura? E os consultores, quererão pesquisar e confirmar tudo de novo? e por quantos anos?
É sensato lembrar que a cana de açúcar desde 1532, quando chegou à Terra de Santa Cruz, viveu sem fertilizante nitrogenado mineral e só o conheceu, em termos econômicos, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, devido às sobras colossais de nitrogenados minerais no mundo e do maior domínio da síntese da amônia.
Outra observação importante é a de que todos os profissionais que hoje lidam com a cana-de-açúcar nasceram no século XX, somos a geração do NPK. Assim, desde o primeiro dia nas universidades e cursos técnicos, ouvimos todo o endeusamento do N-mineral, como se a simbiose fosse importante somente para as leguminosas.
Mas para avaliar esse conflito, sem paixões, é prudente entender que o paradigma atual da aplicação de fertilizantes nitrogenados minerais na cana-de-açúcar deriva da ciência agronômica de países temperados e, especialmente, após os anos 40. Os solos dessas regiões são mais frios e a temperatura média é de 10 a 20°C menor do que nos tropicais.
Como o ótimo para a atividade dessas bactérias diazotróficas está na faixa de temperatura entre 32 e 42°C, comuns no ambiente tropical, isso explica o porquê da maior frequência e eficiência da simbiose nas espécies tropicais do que nas de regiões temperadas. Filosoficamente, a meu juízo, o setor sucroenergético brasileiro ainda não aprendeu e nem começou a capitalizar para si o fato de que a cana de açúcar, agronomicamente, é muito mais eficiente na FBN do que as leguminosas.
O entendimento desse fato tem potencial para diminuir e até mesmo eliminar as discussões ambientais tendenciosas de neófitos a respeito dos benefícios do agroecossistema da cana-de-açúcar. No entanto, considero que a aquisição do conhecimento é o melhor caminho para a defesa ética da produção da cana de açúcar.
*Matéria escrita por Flávio Pompei no dia 10 de fevereiro de 2017.